O desembargador substituto Benjamim Acacio de Moura e Costa, da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná, justificou o voto favorável a um Habeas Corpus (HC) de um réu por homicídio alegando “má qualidade da vítima”.
O voto favorável pelo HC, que foi acompanhado por unanimidade pelos demais desembargadores que participavam da sessão, era um pedido da defesa do réu Ninrod Jois Santi Duarte Valente.
O investigador aposentado é acusado de matar a tiros o ex-policial civil José Augusto Paredes em uma discussão por jogo de baralho em uma distribuidora de Curitiba.
O crime aconteceu em 3 de abril de 2022 e foi filmado por câmeras de segurança. Valente foi preso e, segundo a defesa da família da vítima, ficou encarcerado por cerca de um ano.
A família da vítima avaliou as declarações como "absoluta falta de respeito". Leia mais abaixo.
A decisão do desembargador, relator do pedido, ocorreu na última quinta-feira (18). Benjamim Acacio de Moura e Costa é juiz de direito substituto em 2° grau.
O g1 aguarda retorno do desembargador para comentar o caso. O Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) disse que “não comenta decisões de magistrados”.
A decisão
Ao justificar o voto, o magistrado afirmou que os dois envolvidos, réu e vítima, respondiam a dezenas de processos.
Sobre a vítima, especificamente, disse que Paredes foi citado em pelo menos 49 ocorrências, incluindo casos de concussão, lesão corporal, tráfico de drogas, homicídio e crime contra a criança e adolescente.
“Um [réu] reiteradamente absolvido agindo como policial civil. O outro [vítima] costumeiramente é condenado pela prática de diversos crimes [...] É uma loucura. Fui anotando, foram 49 ocorrências em relação à vítima. O crime foi absurdo. Tavam os dois conversando, provavelmente se mal dizendo, e a desinteligência reinando.”
Antes de declarar o voto favorável ao HC, o desembargador disse que o histórico da vítima “não ajuda”.
“Lá no mato, a gente diz, doutor: 'não vale o pão que come' [...] Aqui, um ambiente mais estruturado, um ambiente mais requintado, a gente diz 'seu cliente não ajuda' [...] Outra expressão chula, mas que ela traz um conteúdo verdadeiro: 'foi feito uma limpa'. É difícil uma expressão dessa, tratando do ser humano, dos direitos humanos, o direito a vida, a liberdade. São valores que tem que ser construídos e edificados na nossa sociedade. Mas a sociedade também cria expressões que traduzem uma verdade do desejo desse sentimento coletivo. E esse sentimento coletivo está bem expresso. A vítima não ajuda", afirmou o desembargador.
Sobre Paredes, o desembargador também afirmou que, onde a vítima ia, criava “problema”.
“A ordem deve ser conhecida, e neste caso, deferida [habeas corpus] em face da má qualidade da vítima. Ela realmente era uma pessoa nefasta na sociedade. E, por certo, muitos podem estar pensando no sentido de que realmente ‘houve uma limpeza social’. Da forma errada, da forma injusta, da forma indevida, mas que a consciência coletiva aceita de uma forma mais abrandada’”, disse.
“A ordem deve ser conhecida, e neste caso, deferida [habeas corpus] em face da má qualidade da vítima. Ela realmente era uma pessoa nefasta na sociedade. E, por certo, muitos podem estar pensando no sentido de que realmente ‘houve uma limpeza social’. Da forma errada, da forma injusta, da forma indevida, mas que a consciência coletiva aceita de uma forma mais abrandada’”, disse.
O que dizem as defesas dos envolvidos
Ao g1, os advogados Igor José Ogar e Dyogo Cardoso Mendes, que defendem a família de Paredes, afirmaram a decisão do desembargador foi equivocada e que recorrerão, se necessário, no Supremo Tribunal Federal (STF).
Sobre as declarações do desembargador, os advogados e a família afirmaram que "jamais esperavam que um desembargador zombasse da dignidade das vitimas e da família, pois esta dando gargalhadas e dizendo que fizeram uma limpa, com total preconceito".
Os advogados disseram, ainda, que abrirão representação, em órgãos fiscalizadores, contra o desembargador pela "absoluta falta de respeito".
Segundo advogado de Claudio Dalledone, que defende Valente, o réu vai responder ao processo em liberdade, com o monitoramento da tornozeleira eletrônica.
Os magistrados também determinaram o recolhimento noturno de Valente e o proibiram de deixar a cidade em que vive sem autorização prévia.
Julgamento
De acordo com a defesa de Valente, por determinação da Justiça, o réu será julgado no Tribunal do Júri, ainda sem data definida.
De acordo com o TJ-PR, até esta reportagem ir ao ar, ainda não havia registro sobre um alvará de soltura para o réu.
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