A Justiça do Paraná decidiu, nesta quinta-feira, anular as condenações de quatro pessoas apontadas como envolvidas no assassinato de Evandro Ramos Caetano, aos 6 anos, em Guaratuba (PR), em 1992. Com a decisão, Beatriz Abagge, Davi dos Santos Soares, Osvaldo Marcineiro e Vicente de Paula Ferreira (morto desde 2011) foram considerados inocentes no caso.
Evandro desapareceu em abril de 1992, no trajeto entre a escola e a casa dele. Quatro meses depois, sete pessoas foram presas e teriam confessado que o menino foi morto num ritual macabro. O caso teve repercussão nacional e ficou conhecido também como o caso das “Bruxas de Guaratuba”.
Em agosto deste ano, no entanto, a 1ª Câmara Criminal do TJ-PR aceitou o processo de revisão criminal relacionado a dois condenados no Caso Evandro. A revisão é reflexo de informações reveladas em podcast pelo jornalista Ivan Mizanzuk, a partir de 2018. O material traz novas provas e um elemento determinante na abertura do processo de revisão: fitas comprovariam que os acusados confessaram participação no crime sob tortura.
A validade das fitas descobertas por Mizanzuk foram consideradas no processo, e as participações efetivas dos acusados no crime nunca ficaram comprovadas. A revisão teve, então, prosseguimento. Na época, os magistrados também entenderam que as prisões foram feitas sem mandado, nos anos 1990.
Após a anulação, Mizanzuk fez uma publicação na rede X. “Tjpr reconheceu a tortura, anulou todas as provas e absolveu todos os acusados que foram condenados! Finalmente! Obrigado a todos que acompanharam meu trabalho! Sem vocês, essas pessoas nunca teriam esse reconhecimento!”, escreveu.
Condenada pelo crime, Beatriz Abagge também fez uma publicação após a divulgação da anulação: “Acabou! Vencemos”.
O crime
Após o desaparecimento de Evandro, um primo da família e desafeto político do prefeito da cidade, o ex-investigador da Polícia Civil Diógenes Caetano dos Santos Filho, organizou uma linha de investigação paralela baseada em suposições que foi seguida pelo Grupo Águia da Polícia Militar. A primeira dama do município, Celina Abagge, e a filha, Beatriz Cordeiro Abagge, foram acusadas de terem usado o corpo de Evandro em um ritual para obtenção de benefícios materiais junto a espíritos satânicos. Elas foram apedrejadas e tratadas como bruxas.
O primeiro julgamento de Celina e Beatriz ocorreu em 1998 e durou 34 dias, o mais longo da história da Justiça brasileira. Elas foram consideradas inocentes, mas o júri foi anulado um ano depois. O pai de santo Osvaldo Marcineiro, o pintor Vicente de Paula Ferreira e o artesão Davi dos Santos Soares também foram condenados em 2004, enquanto os outros dois acusados, Sérgio Cristofolini e Airton Bardelli dos Santos, foram absolvidos Celina não foi a julgamento devido à prescrição do crime.
O caso teve cinco julgamentos. Celina e Beatriz Abagge, esposa e filha do então prefeito da cidade, Aldo Abagge, foram as principais acusadas pela morte da criança. A casa do prefeito chegou a ser apedrejada.
Em 2011, Beatriz Abagge foi condenada a 21 anos de prisão. A mãe dela, Celina, não foi julgada por ter mais de 70 anos, o que levou à prescrição do crime. Os pais de santo Osvaldo Marcineiro e Davi dos Santos Soares foram condenados a 20 anos e 18 anos de prisão.
No ano passado, os três condenados entraram com pedido de revisão criminal e pedido de indenização pelo estado. Argumentaram que sofreram torturas para confessar o crime. Celina e Beatriz dizem que foram obrigadas a falar o que os policiais queriam, pois eram ameaçadas, violentadas e torturadas.
Caso Leandro Bossi
Em 2022, 30 anos depois do desaparecimento de Leandro Bossi, de 7 anos, também em Guaratuba, no litoral do Paraná, a Secretaria de Segurança do Paraná anunciou que havia conseguido identificar fragmentos de ossos da criança por meio de exame de DNA. O exame foi feito no Laboratório da Polícia Federal, em Brasília, com base em uma tecnologia conhecida como DNA mitocondrial, que permite o estudo de tecidos antigos e até mesmo arqueológicos, como ossos, dentes e cabelos.
O secretário estadual da Segurança Pública, Wagner Mesquita, afirmou que não sabe dizer onde a ossada foi encontrada, informação que terá de ser buscada no inquérito arquivado pelo Ministério Público de Guaratuba, três décadas atrás.
— Temos que saber de que forma a perícia de hoje impacta nas investigações. Faremos uso de qualquer ferramenta nova que possa levar ao esclarecimento dos fatos — afirmou Mesquita.
A delegada Patrícia Nobre afirmou que a mãe de Leandro ficou emocionada com a identificação.
Leandro desapareceu em 15 de fevereiro de 1992, meses antes de Evandro. Ele morava com os pais e um irmão de 15 anos em Guaratuba e teria sido visto pela última vez num show do cantor Moraes Moreira. A mãe dele, Paulina Bossi, trabalhava num hotel da cidade, com o filho adolescente. O pai, João Bossi, era pescador e estava no mar quando o garoto sumiu. Ele morreu no ano passado sem ter qualquer informação sobre o filho.
O fragmento de ossos de Leandro foi identificado com a comparação com material genético colhido da mãe. Na Polícia Científica do Paraná, a técnica usada anteriormente foi de DNA nuclear, que não chegou a resultado. O exame durou cerca de 45 dias.
Na época do desaparecimento, ossadas foram analisadas, mas não houve identificação positiva. Uma das amostras foi colhida ao lado do corpo do garoto Evandro Ramos Caetano, que também desapareceu em Guaratuba, em uma data próxima (6 de abril de 1992), e foi achado pouco depois, sem as mãos, cabelos e vísceras. Mas a amostra foi identificada como de uma criança do sexo feminino. Mesquita não confirmou se os fragmentos que permitiram a identificação foram colhidos nesta situação ou se são outros.
Mesquita explicou que conseguiu elucidar o desaparecimento de Leandro, mas não o crime. Qualquer reabertura de investigação dependerá de informações do inquérito do Ministério Público de Guarapuava. O Ministério Público decidiu arquivar o caso em 2020, por considerar que o crime havia prescrito.
A identificação foi feita dentro da Campanha Nacional de Coleta de DNA de Familiares de Pessoas Desaparecidas, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, lançada em junho de 2021. O Banco Nacional de Perfis Genéticos tem cerca de 5.400 restos mortais não identificados e material genético de 6.027 parentes de pessoas desaparecidas. O programa foi ampliado para localizar também parentes de pessoas vivas, não identificadas, que estejam internadas em hospitais ou vivendo em abrigos.
Caso Evandro: Justiça anula condenações de envolvidos no crime, 31 anos depois
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