Por Françoise Terzian
Manifesto em apoio à economia circular do material plástico foi assinado durante seminário promovido pelo Programa da ONU para o Meio Ambiente, Oceana e iFood
Versátil, leve e barato, o plástico também é altamente poluente. Sempre descartado e raramente aproveitável, vai parar em rios, mares e oceanos, e leva 400 anos para se decompor. O peixe que ingere partículas plásticas pode parar no prato do consumidor.
“O plástico está dentro de nós, no pulmão, placenta, coração, fígado, leite materno e sangue, e é potencialmente patogênico”, conta Thaís Mauad, doutora em Patologia e professora-pesquisadora da Faculdade de Medicina da USP.
Os trabalhadores da reciclagem do plástico estão inclusive sujeitos a doenças como câncer, lembra Mauad. A informação aparece em relatórios, como o Forever Toxic: The Science of health threats from plastic recycling, divulgado pelo Greenpeace, que alerta para a existência de plásticos com produtos químicos tóxicos como o bisfenol artificial (BPA), transferidos no processo de reciclagem.
Em apenas 50 anos, o consumo global de plástico aumentou mais de 20 vezes, gerando uma enorme quantidade de resíduos e poluição. Anualmente, só o Brasil produz três milhões de toneladas de plástico de uso único ou cerca 500 bilhões de itens por ano. Deste montante, 13% correspondem a pratos, copos, canudos, talheres e sacolas muito usados por empresas, colégios, companhias aéreas e serviço de delivery de comida. A maioria desse material sem valor para reciclagem. Com isso, 325 mil toneladas de plásticos são despejados nos mares anualmente.
Ronei Alves, representante do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis, e Vitor Leal Pinheiro, gerente de políticas para o clima do Programa da ONU para o Meio Ambiente, sob a mediação da jornalista Lana Pinheiro
“Chegamos aqui porque o plástico é muito durável. Ninguém aqui vai durar mais que uma sacola plástica. Consumimos e jogamos fora. Não há como a gente dar conta do volume de produção do plástico a partir de coleta seletiva. E a reciclagem do plástico é limitada, nem todo material é reciclado por questões econômicas, técnicas e logísticas”, explica Vitor Leal Pinheiro, gerente de políticas para o clima do PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), que promoveu o Seminário Sustentabilidade à Mesa – Alimentando um Futuro sem Plástico, em conjunto com Oceana e iFood.
E as previsões para a reciclagem do plástico não são nada otimistas.
“Plástico é um fóssil cuja produção só aumenta, emite mais carbono na atmosfera e implica no clima”, observa Pinheiro.
A quantidade de plástico produzida globalmente pode triplicar até 2060, com cerca de metade dos resíduos descartados em aterros sanitários e menos de um quinto reciclado, de acordo com relatório da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Segundo o Global Plastics Outlook: Policy Scenarios to 2060, sem uma estratégia radical para conter a demanda, aumentar a vida útil dos produtos e melhorar a reciclabilidade dos materiais, a poluição plástica não parará de crescer.
Plástico que não é reciclável prejudica a cadeia
Ronei Alves, representante do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis, conta que o plástico não reciclável (aquele que não volta para a indústria) traz trabalho extra para as cooperativas, estraga equipamentos, gera custos e, ainda por cima, caracteriza as cooperativas e associações como incompetentes.
“A quantidade dessas embalagens é absurda. Há um caso em que separamos e prensamos PETs branco e preto, enchemos uma carreta com mais de 25 toneladas de plástico e não conseguimos vender”.
Ronei Alves, representante do Movimento dos Catadores de Materiais Recicláveis
Motivo? O plástico foi pigmentado e perdeu valor. Esse é um caso em que as indústrias podem fazer diferente. Ele menciona outro caso de uma fabricante que trocou a embalagem verde de PET para cristal, que tem maior valor de mercado e favoreceu os catadores.
“Não somos contra o plástico, mas contra o plástico sem reciclabilidade, que vai parar nos lixões, no rio e no mar”, enfatiza.
Regulação não basta para alavancar reciclagem do plástico no país
A Política Nacional de Resíduos Sólidos, estabelecida em 2010, previa quatro anos para acabar com os lixões.
“Lixão é proibido desde a década de 1950. Estamos em 2023 e metade dos municípios brasileiros encaminham tudo para o lixão. Cerca de 45% do que vai para lixão é de orgânicos, 20% de plástico, 10% ou 12% de papel. Precisamos resolver isso para ontem. A regulação não está dando conta”, alerta Fabrício Soler, sócio da Felsberg Advogados e especialista em Direito Ambiental, Direito dos Resíduos e Saneamento.
O Brasil está atrasadíssimo, observa Lara Iwanicki, gerente de Advocacy da Oceana, organização sem fins lucrativos de conservação dos oceanos.
“A Política Nacional de Resíduos Sólidos, que completou 13 anos em 2023, não é efetiva. Quando a gente olha os últimos dados da Abrelpe (Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais), vê que gerou 82 milhões de toneladas de resíduos e reciclou 4%. Não conseguimos alavancar esse patamar porque a solução sempre está posta no fim da cadeia e porque é muito mais barato produzir um item descartável que estruturar todo um sistema de logística reversa, entre coleta, retorno, lavagem”, adverte Lara.
Para Xexéu Tripoli, vereador da cidade de São Paulo, a sensação é a de que estamos no meio de uma gincana tentando defender o meio ambiente.
“Cada um tentando correr para um lado. Precisamos de leis federais que tragam mudanças para o país.”
O caminho, acredita Soler, está na lei de responsabilidade compartilhada do ciclo dos produtos. Isso inclui a ponta do consumidor, do poder público e do setor privado.
“Cada um tem a sua cota de responsabilidade, seu ônus, sua obrigação. É preciso melhorar os produtos para que eles sejam aptos à reciclagem. Precisamos de mais iniciativas, mais coletas e mais reciclagem”
Fabrício Soler, sócio da Felsberg Advogados
Da mesma opinião é Luiza Campos, líder de Comunicação e Economia Circular da Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes), para quem não há uma solução individual para a reciclagem do plástico.
“Trata-se de um problema sistêmico que exige ação coletiva”, constata.
No que se refere às embalagens, Exequiel Bunge, fundador e CEO da GrowPack (criadora de biomateriais e embalagens), diz que não adianta ser biodegradável e compostável se não olhar para a origem de toda cadeia.
“Embalagens têm que ser sustentáveis, funcionais e competitivas, os três pilares para atender restaurante e usuário.”
E a ponta do consumidor tem esse desejo, revela uma pesquisa realizada pelo IPEC, a pedido da Oceana e do PNUMA, segundo a qual sete em cada 10 consumidores desejam receber seus pedidos de delivery sem plástico descartável. E mais: 15% deixaram de solicitar o serviço devido à excessiva presença de plástico nas entregas.
Solução deve envolver toda a cadeia da alimentação, da fabricante ao delivery
O Brasil precisa avançar em economia circular por meio desenvolvimento econômico aliado a um melhor uso de recursos naturais, com menor dependência de matéria-prima virgem, priorizando insumos mais duráveis, recicláveis e renováveis, acredita o Advogado Fabrício Soler.
“Nosso arcabouço fiscal tem que estimular as boas práticas, as licitações devem ser sustentáveis. O Estado é o grande comprador, ele tem condições de dar o tom”, diz.
O horizonte, no entanto, não deve ser encarado como uma sentença de morte ao ambiente e à saúde do homem. Estudo do PNUMA aponta que a poluição plástica pode ser reduzida em 80% até 2040 se os países e as empresas fizerem mudanças profundas nas políticas e no mercado usando as tecnologias existentes. Neste cenário, qual é o papel do setor de alimentação, incluindo restaurantes, delivery e empresas, na busca por soluções para combater essa crescente ameaça aos ecossistemas?
PNUMA, o iFood e a Oceana assinam carta-manifesto
O iFood tem como compromisso zerar a poluição plástica em suas operações até 2025, fomentando novas soluções de embalagens e substituição do plástico, conforme afirma seu diretor de sustentabilidade, André Borges.
Como o iFood vai eliminar todo plástico, especialmente de uso único, e substituir por outras alternativas?
“A gente vem construindo uma composição de iniciativas. Em 2021, estimamos que 27% das nossas entregas em peso eram compostas por plástico. A meta é reduzir. Hoje estamos em 23%. Precisamos avançar na agenda de substituição de embalagens. Embalagens retornáveis ou compostáveis é que irão acelerar a substituição do plástico”, explica Alexandre Lima, gerente de sustentabilidade do iFood. Com parceiros, a empresa vem construindo projetos.
Ao final do Seminário Sustentabilidade à Mesa – Alimentando um Futuro Sem Plástico, PNUMA, o iFood e a Oceana assinaram uma carta-manifesto em apoio à economia circular do plástico.
O resultado de toda discussão em torno do plástico é que não há uma única solução para esse problema. Os caminhos são, ao mesmo tempo, reduzir, substituir, reutilizar e reciclar.
“E isso exige repensar, redesenhar e reinvestir”, afirma Gerald Naber, sócio sênior de Negócios de Sustentabilidade do grupo holandês Prosus, controlador do iFood.
Plástico pigmentado prejudica toda a cadeia e regulação não basta para alavancar circularidade, alertam especialistas
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