por Célio Heitor Guimarães
Os atos processuais, em regra, são e devem ser públicos. Alguns processos, no entanto, podem correr em segredo de justiça, onde o acesso aos dados processuais ficam limitados às partes e os seus advogados. A definição consta do Código de Processo Civil e diz respeito aos casos em que o exija o interesse público ou social.
Aqui no Paraná a Rede Paranaense de Comunicação (RPC), com base na tramitação de processo em segredo de justiça, foi proibida, por uma decisão liminar, de exibir no noticioso “Boa Noite, Paraná”, a pedido do presidente da Assembleia Legislativa do Paraná, deputado Ademar Traiano, reportagem em que o parlamentar era acusado de corrupção ativa.
A denúncia teria partido da delação do empresário Vicente Malucelli, segundo a qual Traiano e o deputado Plauto Miró, então 1º secretário da Assembleia, teriam solicitado e recebido propina do grupo J. Malucelli, com vistas à continuidade da prestação de serviço à TV Assembleia. O recebimento teria sido admitido pelo próprio presidente do Legislativo estadual, ao firmar acordo com o Ministério Público.
Curioso (para dizer o mínimo) é quando o segredo de justiça se presta para, através do silêncio, encobrir a notícia do cometimento de crime, posto que, ao contrário, o interesse público só seria atingido com o esclarecimento dos fatos, mormente por envolver autoridades públicas, nos termos do art. 189, I, do CPC.
A liminar que proibia a veiculação das reportagens da RPC, no entanto, foi suspensa pelo desembargador Rosaldo Elias Pacagnan, do Tribunal de Justiça do Paraná, e a telemissora pode, enfim, levar ao conhecimento público, na quarta-feira e dias seguintes, em sua extensão, toda a suspeita de trambique.
Não vou entrar no mérito da questão, já que isso cabe aos órgãos do Judiciário. Quero, porém, lamentar a censura perpetrada pelo Ministério Público e pela juíza Giani Maria Moreschi, do plantão do TJ/PR, sustentada no segredo de justiça e na ideia de que a divulgação das informações poderiam causar “dano” ao processo.
Segundo o desembargador Rosaldo Elias Pacagnan, “a proteção à imagem deve ser ponderada com outros interesses constitucionalmente tutelados, especialmente em face do direito de amplo acesso à informação e da liberdade de imprensa. Em caso de colisão, levar-se-á em conta a notoriedade do retratado e dos fatos abordados, bem como a veracidade destes e, ainda, as características de sua utilização (comercial, informativa, biográfica), privilegiando-se medidas que não restrinjam a divulgação de informações”.
Pacagnan destacou, ainda, que “a delação do empresário havia se tornado pública antes da divulgação das reportagens, ao ser anexada pelo deputado Renato Freitas em processo disciplinar em que ele é acusado de quebra de decoro parlamentar”.
Mais: “Os fatos ganharam total publicidade dentro de um espaço igualmente do povo, que é a Assembleia Legislativa do Estado do Paraná, por meio de ato de outro representante dos cidadãos, já não sendo possível, tampouco legítimo e de acordo com a ordem constitucional, proibir ou coibir esse ou aquele veículo de comunicação de cumprir o seu propósito e a sua função social de noticiar os fatos”.
E, por fim, “A censura, esta sim, está proibida. Terminantemente”.
Quer dizer, não é possível utilizar-se do chamado segredo de justiça para impedir que a população tome conhecimento da patifaria que a cerca, em especial quando procede de agentes públicos.
O segundo objetivo deste texto é congratular-me com a RPC e seus profissionais. Deram uma demonstração de competência e firmeza na apuração dos fatos e de coragem ao levarem-nos a público conforme a sua missão e dever.
Nesses momentos, dá-me um orgulho danado da profissão de jornalista, nem sempre devidamente entendida e aplaudida. E aí lembro-me de Fausto Wolf, que achava o jornalismo a profissão mais bonita (e poderosa) do mundo, porque é capaz de dizer para o povo o que o poder público está fazendo em seu nome.
Parabéns à rapaziada. Em frente, com destemor e sem censura!
P.S. – Enquanto o presidente de Assembleia Legislativa diz não ter nada a dizer a respeito, a seccional paranaense da OAB pede o imediato afastamento de Traiano e a nota emitida pela Subprocuradoria-Geral da Justiça para Assuntos Jurídicos (SubJur), reproduzida ontem neste espaço, não esclarece coisa alguma, limitando-se a dizer que a água é líquida e que só poderá se pronunciar quando do levantamento dos sigilos – então, por que diabos veio a público?!
P.S. – Aguarda-se também a voz do Procurador-Geral da Justiça, Dr. Gilberto Giacoia, e um pronunciamento oficial do Poder Judiciário como instituição.
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Quando o jornalismo cumpre o dever
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