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SEGUNDA-FEIRA, 22 DE JANEIRO DE 2024
FOLHA DE S.PAULO *
política Narcogarimpo, política e genocídio Atividade ilegal se tornou o principal motor econômico no Norte do país Camila Rocha Doutora em ciência política pela USP e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento As trágicas imagens do genocídio yanomami em Roraima muitas vezes vêm acompanhadas da figura do garimpeiro.
Tidos por parte da imprensa e dos movimentos sociais como “maus elementos”, os garimpeiros são, em sua maioria, pessoas pobres, descendentes de migrantes nordestinos, que passaram a ocupar a região amazônica a partir das décadas de 1960 e 1970 comiincentivo de governos militares.
Na época, o apoio estatal ao garimpo era explícito, tan-
| DOM. Elio Gaspari, Celso Rocha de Barros to que, em 1969, foi construído em Boa Vista (RR) o Monumento ao Garimpeiro. Porém,
com a demarcação de terras indígenas prevista pela Constituição de 1988, o garimpose tornou ilegalem tais territórios, o que possibilitou o surgimento do narcogarimpo.
De acordo com o sociólogo Rodrigo Chagas, professor da UFRR (Universidade Federal de Roraima), o termo narcogarimpo é utilizado para enfatizar afinidades eletivas entre asatividades do narcotráJuízas se unem para garantir cumprimento de regra de gênero Coletivos pelo país buscam investir em formação e diálogo com colegas para superar resistências no Judiciário Géssica Brandino são PauLO Meses após enfrentarem a resistência de tribunais à resolução que criou a alternância de listas exclusivas de mulheres nas promoções de juízes para a segunda instância pelo critério de merecimento, magistradas de todo o país têm se articulado para ampliar a mobilização pela causa.
A meta é assegurar o cumprimento da regra aprovada pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça), que passou a valer neste mês, promover for mação sobre o temae fomentar o diálogo para avançar na agenda da paridade de gênero. Coletivos independentes têm sido criados.
A pressão feita por elas foi um dos fatores que contribuiu para a à Piada do texto. Emsetembro, magistradas criaram um grupo de WhatsApp, coletaram assinaturas e fizeram vaquinhas para custeara ida de representantes a Brasília para acompanhar as sessões de votação do texto.
Apesar de já existirem representações de mulheres nas principais associações demagistratura no país, parte das juízas entende que a maioria desses grupos não defendeu aresolução por conta da pressão de associados homens.
Diante da incerteza sobre o apoio diante de eventuais episódios de descumprimento à regra, passada aaprovação no CNJ, as juízas decidiram tor naro Movimento Nacional pela Paridade um coletivo independente. Para isso, fizeram uma carta de princípios e elegeramnove representantes e duas suplentes para coordenaro grupo.
“O movimento se corporificou de forma magnânima,
porque a gente sofreu ou sofre os mesmos preconceitos, as interrupçõesnas noss as e uma concorrência que não é leal conosco, com a nossa família e com o nosso currículo” afirma ajuíza Elayne Cantuária, do TJ-AP (Tribunal de Justiça do Amapá), uma das coordenadoras eleitas.
Segundo ela, a iniciativa soma1.600integrantes dos diferentes ramos do Judiciário e também está aberta a magistradoshomens. “O movimento não é contra ou a favor de ninguém, somente a favor da paridade. É um movimento participativo e dialogal”, diz.
O juiz Eldom Santos, do TJ-
-PR (Tribunal de Justiça do Paraná), era vice-presidente do Fonavid (Fórum Nacional de Juízas e Juízes de Violência Doméstica) quando soube do grupo e passou a integrá-lo.
“A presença de mulheres em espaços de poder pode trazer um olhar mais diverso para problemas estruturais do paíse facilitar o combate às vioIências domésticas, às estruturas racistas e à homotransfobia”, diz.
Ele afirma que a maioria dos colegas concorda comas demandas das juízas e que é E ampliar o debate sore o caráter estrutural da violência de gênero.
“Ao longo do tempo, as masculinidades foram favorecidas poressa estrutura e é preciso agora pensar sobre o ponto de vista da igualdade”, conclui.
Cantuária afirma que, a partir deste mês, o movimento deve buscar agendas com representantes de diferentes instituições e movimentos das carreiras jurídicas pelo país.
“A gente precisa que esses braços cheguem nos estados,
nas Justiças Federais, para a partir disso construir as soluções necessárias”, afirma.
No Paraná, o Coletivo Antígona, formado por 200 das
358juízas do estado, foi o primeiro grupo independente de magistradas no país, criado em julho de 2022.
“O coletivo nasce dessa descoberta de que existem lugares em que nós não nos sentimos representadas e precisaríamos falar por nós mesmas, não pela associação e não pelo tribunal”, diz a juíza Laryssa Copack, que integra a coordenação do grupo com outras seis magistradas.
Divididas em comissões, as juízas trabalham para ampliar a compreensão sobre o chamado “teto de vidro”.
“Muitas vezes a mulher não assume um cargo de comissionado, por exemplo, de auxifico e do garimpo. Segundo Chagas, há uma complexa rede de aeroportos e portos ilegais por onde trafegam drogas e minérios, e é comum que o ouro extraído dos territórios indígenas seja utilizado para lavagem de dinheiro proveniente do tráfico de drogas. Hoje, 59% da população da Amazônia Legal vive em municípios com forte presença de facções criminosas.
Vários jovens de Boa Vista,
sem maiores perspectivas de futuro, são atraídos por proliar a cúpula, porque ela não consegue trabalhar 12 horas por dia sem ter o suporte de alguém da família para buscar os filhos na escola”, diz.
No estado, elas conseguiram a aprovação da paridade em bancas de concurso do tribunalestadual e promovem encontros para ampliar a compreensão sobre o tema. Em março, o Antígona fará um encontro nacional de coletivos no país.
Ogruposerviu de referência para o Grupo Maria Firmina,
no Maranhão, em agosto. Coordenadora do movimento, a desembargadora Sônia Amaral afirma que a partir deseu ingresso na segunda instância do Tribunal de Justiça do Maranhão percebeu que precisava fazer algo para mudar abaixa representatividade de mulheres nessa esfera.
“A gente tem que construir conhecimento sobreisso. Nós temos algumas poucas magistradas que são contra a luta pela paridade. Ainda temos quenos preparar para discutir aquestão”, diz. Das 116 magistradas no estado, 113 fazem parte do grupo.
Amaral chama atenção para os critérios subjetivos que são usados nas promoções por merecimento nos tribunais e para pautas que interessam a elas e acabam discutidas em almoços e jantares dos quais não participam.
messas de aventura, poder e riqueza de forma análoga aos jovens de São Paulo e do Rio de Janeiro cooptados pelo crime.
Exemplar nesse sentido é Antônio, garimpeiro de 20 anos,
encontrado escondido na mata após uma ação do Ibama.
Confrontado porrepórteres da Folha, o jovem, que garimpa desde os 16 em terras indigenas, indaga: “Como eu vou viver com R$ 3.000 na cidade?
Aqui eu posso ganhar R$ 20
mil por mês”.
A despeito dos inúmeros sEG. Deborah Bizarria, Camila Rocha | TER. Joel Pinheiro da Fonseca | Qua. Elio Gaspari | Qui. Conrado H. Mendes Magistradas após sessão no CNJ que aprovou regra de gênero Divulgação Movimento Nacional pela Paridade Outro grupo criado no último ano foio Sankofa, formado por 120 magistradas em atividade e já aposentadas da Justiça estadual, da Justiça do Trabalho e da Justiça Federal em São Paulo que integram o Movimento Nacional pela Paridade, que deve ser formalizado no próximo mês.
“As magistradas perceberam um denominador comum, que é a discriminação de gênero institucionalizada no Judiciário, com relação ao gênero e também étnico-racial, afirma a desembargadora aposentada Angélica de Maria Mello de Almeida, do comitê provisório do grupo.
Em setembro, o TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) pediu o adiamento do debate sobre a resolução para promoções. Na maior corte do país há 356 desembargadores na segunda instância.
Desses, 286 são magistrados de carreira, dos quais 30 são mulheres, o que representa menos de 10%.
Nesta semana, o tribunal deve publicar o primeiro editalcomlista exclusiva de mulheres que chegou ao conhecimento do CNJ. O processo foi aprovado pela corte na terça-feira como mostrou a Folha.
“Essa resolução do CNJ dá a essa discussão um patamar diferenciado ao dizer que o problema da discriminação desastres causados pela extração de minérios na região amazônica, se tornou comum que políticos “defendam” os interesses de garimpeiros. Esse é o caso de Jair Bolsonaro,
contumaz defensor dos garimpeiros. Nas eleições de 2022,
76% dos eleitores de Roraima votaramno capitão reformado. Lula saiu vitorioso apenas no município indígena de Uiramutã, onde angariou 68%
dos votos.
Além de conquistar eleitores, Bolsonaro procurou atrairo apoio de empresários. Roberto Katsuda, um dos principais revendedores de retroescavadeiras usadas em garimpos no Pará e em Roraima,
recebeu das mãos do ex-presidente uma medalha de “imbrochável”. Logo após a “honraria”, Katsuda seria investigado pela CPI do 8 de janeiro por ter financiado atos golde gênero existe e precisa ser enfrentado” afirma Almeida.
A presidente da Anamatra
(Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho), Luciana Confort; afirma que a entidade foi a única representante da magistratura nacionala manifestar apoio à época ao texto.
Ela afirma que entende a criação do movimento nacional como algo mais amplo e não como divisionismo. Para este ano, Conforti acrescenta que acompanhar a aplicação da resolução será uma prioridade do Anamatra Mulheres.
A reportagem tentou contato com a Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil)
e com a AMB (Associação de Magistrados Brasileiros), mas não teve resposta.
Na época da aprovação da nova regra no CNJ, o conselho que reúne os presidentes dos
27 tribunais de Justiça dos estados e do Distrito Federal foi o principal opositor dealterações. Em nota técnica assinada em setembro, a entidade dizia que a modificação deveria ser feita por meio de lei formale estava fora do âmbitituição há te acerca dos critérios de gênero paraa análise da antiguidade e merecimento” nas promoções de magistrados para a segunda instância.
pistas, com base em relatórios da Abin.
Aagência classifica Katsuda como “notório defensor de garimpos emáreas protegidas e um dos maiores articuladores políticos” do tema. Além dele,
Enric Lauriano, outro empresário do garimpo, também foi listado pela Abin como financiador de manifestações golpistas no Pará e em Brasília e participou presencialmente do ato no dia 8 de janeiro.
Como bem aponta o sociólogo Rodrigo Chagas, não há solução de curto prazo para a tragédia em Roraima. Enquanto o narcogarimpo figurar comoo principalmotor econômicodaregião, a população local continuará a rejeitar pautas ambientais, celebrar empresários como Katsuda e Lauriano, apoiar políticos pró-garimpo e invisibilizar o genocidio yanomami.
SEX. Marcos Augusto Gonçalves | SÁB. Demétrio Magnoli O movimento se corporificou de forma magnânima,
porque a gente sofreu ou sofre os mesmos preconceitos,
as interrupções nas nossas falas Elayne Cantuária juíza do TJ do Amapá A nova regra de promoção de juízes
* O Conselho Nacional de Justiça aprovou em setembro, sob a presidência da ministra Rosa Weber, hoje aposentada, uma regra que prevê alternância de gênero na promoção por merecimento de juízes de carreira.
As vagas na 2º instância são abertas a partir da saída de um magistrado, o que pode ocorrer por morte,
aposentadoria voluntária ou compulsória, aos 75
anos.
* O preenchimento desses postos é alternado entre antiguidade, que considera a data de entrada no tribunal,
e merecimento, onde há influência política e critérios subjetivos.
* Coma nova regra, se houver na segunda instância dos tribunais da Justiça Estadual,
Federale do Trabalho menos de 40% de mulheres, a corte deverá aplicar a ação afirmativa.
* A regra começa a ser aplicada com base na última promoção por antiguidade. Se o promovido foi um homem, a próxima promoção por merecimento será feita a partir de uma lista exclusiva de mulheres.
* À regra não vale para os Tribunais Regionais Eleitorais e da Justiça Militar.
* O objetivo é alcançar a paridade de gênero nos tribunais. Assim que o número de mulheres chegar a 40%, a corte não será mais obrigada a aplicar a regra.
Juízas se unem para garantir cumprimento de regra de gênero
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