A Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Estado brasileiro por omissão na morte de Antonio Tavares Pereira, integrante do Movimento Sem-Terra (MST).
Tavares foi morto por um tiro disparado por um policial, em maio de 2000 em Campo Largo, na Região Metropolitana de Curitiba, após um confronto com a Polícia Militar (PM) na BR-277. Ele fazia parte de um grupo de mais de 1.500 integrantes do MST que iam para uma manifestação na capital paranaense.
Na ocasião, a PM tentou impedir a passagem dos mais de 50 ônibus do movimento, quando começou uma confusão. O confronto deixou mais de 100 pessoas feridas, entre integrantes do movimento e policiais. Leia mais abaixo.
A Corte decidiu, por unanimidade, que o Estado brasileiro é responsável pela violação de uma série de direitos, como direitos à vida, integridade pessoal e liberdade de pensamento e expressão. O órgão determinou também que o Estado violou garantias de proteção judicial.
Na condenação, a Corte Interamericana de Direitos Humanos ordena que o Estado brasileiro:
promova mudanças na legislação para garantir que a Polícia Militar não tenha competência para investigar crimes cometidos contra civis;
promova um ato público de reconhecimento da sentença e em memória de Antonio Tavares Pereira;
ofereça tratamento médico e psicológico a família de Antonio e de outros trabalhadores que foram vítimas da PM naquele dia;
pague uma indenização às vítimas.
O Governo do Paraná tem ainda a obrigação de:
proteger o monumento feito em homenagem a vítima no local da morte;
incluir no currículo de treinamento de forças policiais o tratamento adequado em manifestações públicas.
Todas as medidas de sentença tem o prazo de um ano para serem cumpridas.
"O Estado deve permitir a manifestação pacífica nos espaços de acesso público, tais como praças e ruas. No entanto, nos casos em que se justifique a imposição de restrições, estas devem estar previstas em lei, perseguir um fim legítimo e cumprir os requisitos de necessidade e proporcionalidade", decidiu a Corte.
Na época, Justiça brasileira arquivou o caso
Na época, a Justiça Militar e a Polícia Civil abriram inquéritos para apurar a morte de Antonio. Um dos objetivos era constatar quem atirou contra o sem-terra.
Porém, a investigação militar foi arquivada em outubro do mesmo ano com a justificativa de que não havia indícios para denunciar o policial acusado do tiro que matou Tavares.
Paralelo a isso, ainda estava em curso o inquérito da Polícia Civil, que ao ser concluído, serviu de base para oferecimento de denúncia pelo Ministério Público do Paraná (MP-PR), em 2002, contra o PM.
Porém a ação foi arquivada pelo Tribunal de Justiça do Paraná (Tjpr) depois que a defesa do policial entrou com um habeas corpus alegando que o caso tinha sido apreciado por um juiz militar.
O MP não recorreu. Sem a possibilidade de recurso no Brasil, em 2004, o caso foi levado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
Em junho de 2022 o caso começou a ser julgado no órgão.
"A Corte também considerou que a longa duração do processo civil, iniciado pelos familiares do senhor Tavares Pereira com o objetivo de obter reparação pelos danos morais e materiais causados, violou a garantia judicial do prazo razoável, prevista no artigo 8.1 da Convenção Americana", afirmou o órgão.
A Polícia Militar falou que por conta do trânsito em julgado, não irá se manifestar sobre o caso. O Tribunal de Justiça do Paraná disse que não emite nota sobre decisão de magistrados.
O Ministério Público do Paraná afirmou que está atento para contribuir com o cumprimento das medidas determinadas ao Brasil, especialmente as relacionadas ao reparação de danos das vítimas sobreviventes e da família de Antonio.
Além disso, para a adoção de "medidas estruturais que previnam a ocorrência de violações de direitos humanos similares e à punição dos autores dos crimes verificados no caso".
Como funcionou o julgamento?
Antes de chegar à corte, o caso aguardou deliberação, de 2004 a 2021, na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), responsável por analisar denúncias apresentadas para encaminhamento, ou não, à instância superior.
A análise começou por meio de uma audiência pública realizada em San José, na Costa Rica.
O procedimento durou dois dias e contou com a participação da viúva de Antonio Tavares, e de uma da vítima da ação da polícia que se feriu na ação. Ambas foram ouvidas.
Nos dois dias, a Corte também ouviu as organizações autoras da ação, peritos e o próprio Estado brasileiro, com acesso às provas juntadas durante a tramitação do caso na justiça nacional.
Após as audiências, foram cumpridos prazos protocolares e manifestações internas da Corte. Por fim, o processo seguiu para a etapa final e o tribunal se reuniu para deliberar o caso e emitiu a sentença nesta quinta-feira (14).
Antonio Tavares deixou a esposa e cinco filhos
Na época, Antonio Tavares Pereira e a família moravam em um assentamento rural de Candói, na região central do estado. Ele era coordenador do assentamento, tinha 38 anos quando morreu, deixou esposa e cinco filhos.
A confusão entre os integrantes do MST e a PM aconteceu quando a polícia impediu a passagem de ônibus dos manifestantes na BR-277.
Na época, eles se dirigiam para Curitiba e participariam de uma manifestação em defesa da reforma agrária.
Imagens da época mostram o confronto entre os manifestantes e os policiais. Os dois lados tiveram diversos feridos. Na época, o MST disse que mais de 100 integrantes do grupo se feriram.
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